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(N)a Rede. Ou sem ela?



A Rede faz-me sempre pensar nas palavras de Carlos Lima, meu professor de Ortopedia. Explicava ele que as maleitas da nossa coluna vertebral provinham de um pecado, não original mas recente – sendo uma estrutura de quadrúpede, fora surpreendida por uma decisão evolutiva que a sobrecarregara, a nossa mania de endireitar as costas! É verdade que os quotidianos aceleraram bem antes do aparecimento da Rede, por alguma razão o stress e as estratégias para o gerir já enxameavam os media, mas a Rede não é apenas mais uma faceta da rapidez de comunicação global, questões fascinantes são-lhe próprias. Estamos preparados para lidar com elas?

Tomemos um estudo britânico, velho de alguns anos. A conclusão é taxativa – não conseguimos ter mais de cento e cinquenta amigos ao mesmo tempo, por indisponibilidade psíquica e temporal. Cento e cinquenta... E por que foi necessário averiguá-lo? Porque alguns de nós têm milhares - online. De que conceito de amizade falamos? Mesmo abdicando do adjetivo “íntimo”, é difícil imaginar como seremos capazes de cuidar, ouvir, partilhar. Acontece que não precisamos, o sentimento baseia-se na mera existência de contactos, eis os amigos transformados em simples conhecidos. Culpa da tecnologia? Seguramente não, afinal vivemos dias em que as relações acabam por SMS para evitar a maçada de lágrimas e protestos, os avanços científicos são sobretudo o que deles retiramos, embora venham modificando até os processos mais básicos do pensamento. No que aos afetos diz respeito, teclados velozes geram paixões felizes, encontros casuais, ondas de solidariedade, linchamentos em praça pública. Fascinados pelos horizontes exibicionistas e voyeuristas à sua disposição, garotos espancam colegas enquanto outros filmam de modo artesanal para colocar no Youtube… E com quem gosta a violência de atuar em dueto? O sexo. Por isso abundam cenas de índole sexual, além do conceito de amizade também o de privacidade está em vias de ser reequacionado.

Por mais que nos interpelem como terapeutas os casos de dependência (não apenas adolescente), pela diminuição de competências relacionais e pela solidão omnipotente que acarretam, é o processo educativo a montante que nos deve colocar, meditabundos, frente ao espelho. Ajudamos a crescer numa área que irrompeu nas nossas vidas adultas e relativamente à qual, em geral, somos razoavelmente ignorantes. Em contrapartida, a nossa ganapada nasceu rodeada de ecrãs e teclados que domina desde tenra idade, é o seu caldo de cultura natural (por alguma razão os meus netos perguntavam um dia como era viver sem telemóveis…). Demonizar a tecnologia não se revela, pois, apenas injusto, seria inútil. Trata-se, isso sim, de os ensinar – só a eles?... – a pensá-la, sopesando vantagens e riscos, o maior dos quais será preferir a omnipotência da realidade virtual às dúvidas do “mundo de carne e osso”. Mas não é o único. A quantidade de informação é tão desmesurada, as estratégias de uma sociedade capitalista de consumo tão agressivas, as mensagens de discriminação e ódio tão sedentas de contágio instantâneo e acéfalo que se torna imperioso ajudá-los a desenvolverem capacidades de triagem que os transformem em Sujeitos capazes da ação meditada e não recetores passivos de estímulos aos quais reagirão de um modo acéfalo.

Tarefa árdua, dir-me-ão, e não serei eu a negá-lo. Mas que acarreta os ingredientes de um bom negócio – ambas as partes lucrarem. Porque também nós retiraremos proveitos desse pensar em vozes altas e paralelas tecnologias com tanto de sereias como de Adamastores. E se a nossa relação com elas se tornar mais saudável, por meditada, o mecanismo fulcral de todo o processo educativo espera-nos ao virar da esquina – a modelação pelas figuras parentais. Porque nada desilude e revolta mais a criançada do que suportar o clássico “olha para o que digo e não para o que faço”. E com razão…

 
Júlio Machado Vaz
Médico psiquiatra
Autor de vários livros
Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

 
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