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O que ganho se ler

Para que serve a leitura? Para nada. Nem tudo tem de servir para algo.
O que ganho se ler? Nada palpável. Se é isso que pretendes, não leias.

A leitura é um mundo que abre muitos mundos e que leva o leitor numa viagem pela imaginação que transforma por dentro. Não se vê por fora. E é por isso que ler é tão extraordinário. Faz florescer por dentro, criando constelações cada vez mais complexas e multifacetadas.

Abre-se o maravilhoso mundo das palavras. Conhecemos cada vez mais sinónimos, antónimos, palavras densas, difíceis, diferentes, palavras que dizem novas realidades.
Viajamos na imaginação: mundos que poderiam existir ao nosso lado, mundos que nunca poderiam existir; pessoas que gostaríamos de conhecer, outras que odiaríamos; acontecimentos banais e previsíveis, outros extraordinários e impensáveis.

E, de repente, os livros já não são só histórias que vemos por dentro. De repente, os livros fazem-nos pensar: interrompe-se a leitura e começa o mundo das ideias, e concordamos, apoiamos, discordamos, falamos com o livro e com o narrador, pensamos no que ele terá querido dizer com aquela frase, com aquela ideia, com aquela opção. E rimos, gritamos, choramos, aplaudimos, porque os livros constroem por dentro.

Mais tarde, quando olhamos para fora, depois de muitos livros, o mundo ganhou outra cor, passamos a viver nele de forma diferente e a ver tudo com novos olhos que ninguém vê, que não se podem explicar, que não se emprestam. Por isso ler parece nada - para quem não o faz. Só quem lê sabe. Só quem lê experimenta. Não se conta.

E aqueles mundos a puxarem-nos para dentro deles, a fazerem-nos esquecer a realidade, a não conseguir parar de ler, a não querer parar de ler e a ficar tão triste quando o livro acaba, a atrasar a última página, a voltar atrás, a lamentar a pressa nalguns momentos. Já com saudades das personagens e daquelas frases tão fundas, daquelas linhas tão sinuosas.
Para que serve a leitura? Para nada! Um nada tão grande e profundo. Um nada tão distante e virado para dentro. Um nada tão de cada um, tão egoísta e altruísta.

O que ganho se ler? Um nada que pode ser tudo. Se é isso que procuras, lê. Muito!

Carla Marques
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares (Edições ASA-LeYa); formadora de professores; professora dos ensinos básico e secundário; consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

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